Perversão Fiscal

O mais recente relatório da Oxfam sobre a desigualdade no mundo reafirma o óbvio: a riqueza está cada vez mais concentrada. Em 2016, segundo as projeções, 1% da população global deterá conjuntamente o mesmo patrimônio dos outros 99%. Atualmente, 80% da população fica com apenas 6% da riqueza.

Esse relatório aparece dois ou três meses após um outro, que mostra o crescimento do número de multimilionários no mundo (e no Brasil), após a crise global de 2008-2009 – período de grandes apuros para centenas de milhões de trabalhadores que ficaram sem emprego ou tiveram os seus salários reduzidos, além dos agricultores familiares levados à falência, e às vezes, ao suicídio.

Isso não ocorre por acaso, ou devido a alguma lei natural inelutável (aliás, cabe lembrar que as leis econômicas não são leis naturais, como as da física, química ou biologia). O enriquecimento desproporcional dos mais ricos, às custas dos outros, decorre de arranjos institucionais historicamente constituídos, que engendram decisões políticas favoráveis  aos detentores do grande capital. Os mecanismos dessa perversão são diversos, incluindo, com algum destaque, as manipulações na área fiscal.

Nos últimos dias, aqui no Brasil, o governo federal restringiu uma série de garantias previdenciárias, em prejuízo dos trabalhadores socialmente mais vulneráveis. Depois, aumentou os impostos sobre os combustíveis, com efeitos inflacionários que serão sentidos por todos os não-ricos. Agora, a presidente Dilma limitou a correção da tabela de imposto de renda, arrochando ainda mais a minoria de assalariados que têm rendimentos decentes, mas não exorbitantes. Por outro lado, nenhuma palavra sobre a taxação das grandes fortunas ociosas, das grandes heranças, da especulação financeira ou das remessas de lucros ao exterior.

A dívida pública aumenta sempre que o governo aumenta os juros a pretexto de controlar a inflação, como vem fazendo nos últimos meses. Destarte, é preciso assegurar o famigerado superávit primário, a fim de satisfazer os credores: basicamente, os bancos e fundos de investimentos que emprestam dinheiro ao Estado. Logo, alguém deve pagar a conta. E como de hábito, em nosso País, tira-se mais um pouco dos remediados (os que ainda restam), preservando-se as regalias das elites. Não é à toa que os super-ricos brasileiros enriquecem cada vez mais, enquanto a chamada classe média vai se nivelando por baixo.

Do outro lado do Atlântico, na Grã-Bretanha, o ministro da fazenda prepara um segundo corte de impostos a benefício das petrolíferas que atuam no Mar do Norte. Ocorre que, com a recente baixa dos preços do petróleo, a extração por lá (diferente daqui) deixa de ser rentável. Então, o sistema funciona assim: se o preço do petróleo aumenta e causa inflação, o povo paga a conta, e os donos das petrolíferas faturam alto. Quando o petróleo baixa, os preços não caem, mas o governo arrecada menos com impostos e usa o dinheiro do Estado (ou seja, do povo) para ajudar as empresas.

De modo geral, em qualquer parte, a iniciativa privada investe conservadoramente, com o máximo de salvaguardas. Quando os lucros vêm conforme o esperado, os investidores ganham. Quando não vêm, os governos os socorrem para que não percam. Em suma, a regra é privatizar os lucros e socializar os prejuízos.

Ao afagar os credores e socorrer os investidores, o governo gasta mais e arrecada menos, o que significa redução dos investimentos em infraestrutura e bem-estar social. Os detalhes diferem, mas o padrão é o mesmo pelo mundo afora.

Para saber mais, recomendo enfaticamente o livro “Thomas Piketty e o Segredo dos Ricos”, Ed. Veneta.
http://www.livrariacultura.com.br/p/thomas-piketty-e-o-segredo-dos-ricos-42692523
http://www.saraiva.com.br/thomas-piketty-e-o-segredo-dos-ricos-8073548.html

2 ideias sobre “Perversão Fiscal

Deixe um comentário